sexta-feira, 7 de maio de 2010

Reportagem.

Ana Beatriz Barbosa Silva - “Psicopatas não sentem compaixão”
A psiquiatra, autora de Mentes Perigosas, diz que o ato de Lindemberg revela uma personalidade psicopática
Martha Mendonça

O mal existe e não tem cura. É o que afirma a psiquiatra carioca Ana Beatriz Barbosa Silva, que acaba de lançar Mentes Perigosas: o Psicopata Mora ao Lado. No livro, ela afirma que psicopatas nascem com um funcionamento cerebral que não permite conexão com os outros seres humanos – e por isso agem sem limites. Ana Beatriz diz ainda que é um equívoco relacionar psicopatas apenas com pessoas capazes de atos violentos ou assassinatos em série. “Eles são 4% da população e podem ser qualquer pessoa: um colega de trabalho, o marido ou um filho”.

ENTREVISTA - ANA BEATRIZ BARBOSA SILVA

André Valentim QUEM É
Carioca, 42 anos, psiquiatra pós-graduada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro

O QUE FAZ
É diretora das clínicas Medicina do Comportamento, no Rio e em São Paulo, onde atende pacientes e supervisiona tratamentos

O QUE PUBLICOU
Mentes Inquietas, Mentes & Manias, Mentes Insaciáveis: Anorexia, Bulimia e Compulsão Alimentar e Mentes com Medo: da Compreensão à Superação

ÉPOCA – O que é um psicopata?
Ana Beatriz Barbosa Silva –
Antes dessa definição, é preciso saber o seguinte: a maldade existe. Nós, latinos, afetivos, passionais, temos dificuldade de admitir que existem pessoas más. Psico quer dizer mente; pathos, doença. Mas o psicopata não é um doente mental da forma como nós o entendemos. O doente mental é o psicótico, que sofre com delírios, alucinações e não tem ciência do que faz. Vive uma realidade paralela. Se matar, terá atenuantes. O psicopata sabe exatamente o que está fazendo. Ele tem um transtorno de personalidade. É um estado de ser no qual existe um excesso de razão e ausência de emoção. Ele sabe o que faz, com quem e por quê. Mas não tem empatia, a capacidade de se pôr no lugar do outro.

ÉPOCA – Qual é a natureza da psicopatia? Os psicopatas nascem assim?
Ana Beatriz –
Os psicopatas nascem com um cérebro diferente. Os seres humanos têm o chamado sistema límbico, a estrutura cerebral responsável por nossas emoções. É uma espécie de central emocional, o coração da mente. Em 2000, dois brasileiros, o neurologista Ricardo Oliveira e o neurorradiologista Jorge Moll, descobriram a prova definitiva dessa diferença da mente psicopata, por meio da chamada ressonância magnética funcional, que mostra como o cérebro funciona de acordo com diferentes atividades. Nesse exame, mostraram imagens boas (belezas naturais, cenas de alegria) e outras chocantes (morte, sangue, violência, crianças maltratadas). Nas pessoas normais, o sistema límbico reagia de forma diversa. Nos psicopatas, não há diferença. O sistema límbico dessas pessoas não funciona. O pôr do sol ou uma criança sendo espancada geram as mesmas reações. Da mesma forma, não há repercussão no corpo. Eles não têm taquicardia, não suam de nervoso. Por isso passam tranqüilamente num detector de mentiras.

ÉPOCA – Há muitos psicopatas no mundo?
Ana Beatriz –
Mais do que se imagina. Cerca de quatro em cada cem pessoas, segundo as estatísticas americanas. Mais homens do que mulheres. Todos têm em comum a ausência do sentimento em relação às outras pessoas. Não conseguem se colocar no lugar do outro, daí agirem de forma fria e sem arrependimentos. O que caracteriza o psicopata não é o nível do crime, mas a forma como ele o comete, a predisposição para planejar e executar sem nenhum sentimento em relação à vítima.

ÉPOCA – Como saber se estamos convivendo com um psicopata?
Ana Beatriz –
Não é tão fácil detectá-los, especialmente quando temos alguma ligação afetiva com eles. Maridos que espancam suas esposas, por exemplo: as estatísticas mostram que 25% são psicopatas, e grande parte delas não aceita a verdade. Mas há algumas características básicas entre eles: falam muito de si mesmos, mentem e não se constrangem quando descobertos, têm postura arrogante e intimidadora por um lado, mas são charmosos e sedutores por outro. Costumam contar histórias tristes, em que são heróis e generosos. Manipulam as pessoas por meio de elogios desmedidos. Se tiver de começar a desconfiar de alguém, desconfie dos bajuladores excessivos. Chefes também podem ser psicopatas – o que costuma se manifestar pelo assédio moral aos funcionários. Um dado interessante é que eles não sentem compaixão, pena, remorso. Mas sabem, cognitivamente, o que é ter esses sentimentos. Daí representarem tão bem – e às vezes exageradamente – a vítima.

ÉPOCA – E a verdadeira vítima quem é?
Ana Beatriz –
Quase sempre pessoas generosas, em especial aquelas que não acreditam no mal e costumam tentar justificar as atitudes de todo mundo.

ÉPOCA – Um assassino pode não ser psicopata e um psicopata pode jamais matar?
Ana Beatriz –
Sim, isso é muito importante. É um equívoco pensar que apenas assassinos seriais são psicopatas, e um dos objetivos de meu livro é justamente este: mostrar que a psicopatia não está ligada apenas ao homicídio. Existem assassinos passionais que jamais matariam novamente. Um exemplo é a mulher que matou o estuprador do filho dela de 4 anos. Ela nada tem de psicopata. Ao contrário, apesar da violência, o crime dela pode ser compreensível para muitas mães. Ao passo que um psicopata pode nunca ter a necessidade de assassinar, resolvendo suas questões matando vidas afetivas e financeiras, prejudicando pessoas de forma irreversível, mas sem matá-las. Na população carcerária, segundo pesquisas feitas no Canadá e nos Estados Unidos, há de 20% a 25% de psicopatas.

ÉPOCA – Seu livro comenta o assassinato da atriz Daniella Perez. É um caso clássico de psicopatia?
Ana Beatriz –
O caso tem características que levam a esse diagnóstico. Guilherme de Pádua premeditou a morte da vítima, a atraiu para o crime e horas depois foi prestar solidariedade à mãe da moça.

ÉPOCA – Como você classificaria Lindemberg Fernandes Alves, que seqüestrou e assassinou a ex-namorada Eloá? Ele seria um psicopata?
Ana Beatriz –
O ato é de uma personalidade psicopática. Ele usou a razão para dominar os reféns e controlar tudo em volta. Atirou na multidão e disse que era o “príncipe do gueto”, “o cara”. Deu entrevistas por telefone, conseguiu que uma das reféns voltasse ao cativeiro. No fim, com a invasão da polícia, não hesitou em atirar nas duas. Ele começou a namorar a Eloá quando ela tinha 12 anos. Certamente a tratava como propriedade, não admitindo perder esse controle.