O antigo culto ao corpo implicava, pelo menos, melhorar o que se tem. Agora, o próprio corpo tornou-se um produto a ser adquirido - cabelos, seios, cinturas - para ingressarmos no mercado do "amor". Nele, bons investidores conseguem adoração, independência financeira ou substituto de auto-estima até a próxima estação de neo-prostituição. Se o amor é mercado, preciso ser bem de consumo, moeda de troca, e a embalagem é fundamental.
Fico imaginando como serão os cemitérios do futuro. Precisarão ter caixinhas de restos mortais maiores, para acomodar as bolsinhas de silicone da bunda e peitos da titia que "desencascou".
Ainda bem que silicone é inflamável: Com um pouco de fogos de artifício, poderemos vir a ter rituais pirotécnicos nas futuras cremações. Mas isso se houver família para administrar restos mortais.
No pós-hedonismo da geração que ligou o dito "botão de foda-se", os filhos (mal) criados sem limites tornam-se pequenos ditadores domésticos. Educamos, se é que se pode usar esta palavra, um exército de psicopatas, crescendo em um país em crise, voltados para o próprio seio. Ou para o próprio umbigo, já que "seus" seios são artificiais.
Pensando bem, esta geração do "cada um com seus problemas" não terá senso comunitário suficiente para cuidar de "restos", ainda que mortais... Como ativista do Greenpeace, sou obrigado a alertar: do jeito que vai o meio ambiente, a campanha da fraternidade de 2050 pode ser: "recicle o silicone de sua avó".
E tome malhação. E tatuagens excessivas, afinal tudo que não queremos é mostrar a própria "pele". Nada mais simbólico do enchê-la também de furos: A motivação inconsciente do modismo dos piercings me faz lembrar dos pacientes de relatos clássicos da psicanálise, que retalhavam a pele como forma de deixar "alguém preso" sair - aliviando assim sua angústia pessoal. Estariamos fazendo o mesmo, coletivamente, com nossa angústia existencial?
Hoje, é preciso construir outra persona, ilusória. Tatuagens e plásticas são bem vindas, em cima de músculos forçadamente adquiridos em sessões excessivas de academia, não raro diárias. Combinações perfeitas para os silicones e anabolizantes dos que consomem, narcisisticamente, sua inclusão no novo mundo do prazer.
Há também os aditivos do prazer: Em um mundo hedonista que não perdoa falhas, as drogas de maior faturamento no planeta são os anti-depressivos... e auxiliares da ereção!!! Seguidas pelo Ectasy, no mundo ilegal. Coincidência?
Enquanto isso, nas "comunidades" de redes de relacionamento virtual, uma série de sintomas patológicos, intolerâncias e extremismos são assumidos como se fossem características da personalidade. Para quê meio-termo em um mundo de exageros? O importante é "ter atitude", muitas vezes um eufemismo para comportamentos maníacos - alguns deles, bipolares, graças ao Prozac "receitado" por ginecologistas ou clínicos gerais após extenso "exame psicológico" de 15 minutos.
Se alguém estiver triste ou reflexivo, "conserta-se". Não se questiona a sociedade, adapta-se a ela. Terapias instantâneas alienantes proliferam-se, em lugar da análise. Não há tempo a perder, mudando o comportamento já está bom. Se algo der errado adiante, o paciente siliconado que "consuma" a terapia outra vez.
Jung, que faleceu em 1961, previa estarmos criando uma sociedade patológica, onde o excesso do consciente / material / aparente sobre o inconsciente (integrado) / espiritual / subjetivo reproduziria a própria estrutura da neurose, a ponto de perdemos a coincidência dos limites entre saudável e normal. E hoje, alternando entre neuroses e psicoses, evoluímos para uma sociedade... "borderline".
Neste cenário, para quê se comprometer, atravessar dificuldades ou perdoar? Vamos "ficar", que a fila anda. Se não for divertido, não fazemos mais. "Amor" descartável, comprado pela aparência, voltado ao prazer.
A questão é que o narcisismo individual favorece o comportamento egocêntrico, descontinuidade afetiva e instabilidade emocional. Tornando-se um modelo coletivo de "normalidade", bem como um diferencial de inclusão afetivo social, construiu uma sociedade de "cada um por si", relacionamentos descartáveis, aqui-agora, perdas constantes, onde não há "culpa" (leia-se: responsabilidade) sobre o que se prometia - ou exigia.
A mídia molda o indivíduo, refletido coletiva e patologicamente na "sociedade", e esta não precisa mais da parte para se perpetuar. Não é apenas um silicone ou academia: estes são realimentação de algo maior anterior.
Neo-narcisismo pós-hedonista. Viva o corpo e o prazer, pra ver se isso aplaca, no que "estou", a angústia do que não consigo "ser".
Imagem é tudo. A fila anda. Tudo pelo prazer. Vamos à academia trabalhar anabolizantes e silicones, perseguindo um "modelo" distante da saudável exequibilidade, salvo consumo adicional. Precisamos estar bem para mostrarmos nossa nova pele tatuada e furada, ferida na alma, para o amor descartável que temos que conquistar hoje... antes de deixarmos amanhã, na primeira dificuldade ou novo prazer, assim que a "fila andar".
Lázaro Freire,
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